INTERVENÇÃO ARQUITETÔNICA

REGINA SILVEIRA: CLARO-ESCURO

Claro-escuro é uma intervenção realizada na fachada do Veras com 26 vocábulos que equivalem à palavra luz em diferentes idiomas, objeto de pesquisa de aproximadamente meio século da artista Regina Silveira. Claro-escuro é convite à impregnação de corpos em gradações tonais que evocam pluralidade, comunicando algo presente no corpo expressivo de obras da artista: sombra e luz são duas faces da mesma moeda na experiência humana. 

Deslocado de sua relação com a história da arte, o composto nominal que intitula o projeto realizado por Regina Silveira para a fachada do Veras tampouco é comentário sobre a presença da luz responsável por desfazer a escuridão. De fato, para acessar a linguagem que atravessa sua prática ao longo de décadas, é preciso considerar o modo como a artista tem impregnado ou distorcido as sombras de objetos e monumentos. Como se sabe, entram dias e caem noites, o parâmetro para contar a passagem do tempo segue determinado pela sucessão de períodos claros e escuros, sendo que um invalida a presença do outro. No entanto, sem contrariar as referências repertoriadas na historiografia da arte e da ciência, Claro-escuro é convite à impregnação de corpos em gradações tonais que evocam pluralidade, comunicando algo presente no corpo expressivo de obras da artista: sombra e luz são duas faces da mesma moeda na experiência humana.

Com isso em mente, vale reforçar o fato de as variadas versões da palavra luz não contrariarem as leis universais. Em vez disso, elas apontam para a complexa construção de subjetividade no mundo contemporâneo. Neste contexto, embora o termo que qualifica processos pictóricos tenha sido adotado – com os quais a comunidade artística adere a efeitos de luz e sombra que prescindem de linhas de contorno para separar o objeto representado do fundo do quadro -, a instalação que Regina Silveira concebeu para o Veras considera a coexistência de escuridão e claridade em inúmeros episódios da experiência humana. Por isso Claro-escuro negocia com luminescência e obscuridade. Reconhece, inclusive, que a predominância de uma aparição não define a ausência de outra. Nesse sentido, Quimera (2003-2011), outra instalação representativa de sua trajetória, evoca certa luminosidade sombria, o que aparece em Claro-escuro com a sublime policromia plurilinguística que qualifica a investigação plástica e poética da artista. Em Dias perfeitos (2023), Wim Wenders constrói uma das cenas do filme às margens do Rio Sumida, com diálogos de dois homens envoltos em um ambiente com forte carga claro-escura.

Hirayama, o protagonista, ouve a pessoa que o aborda às margens do rio anunciar seus últimos dias. Ele afirma ter visto sua vida transcorrer sem que a maior parte de suas perguntas saíssem da escuridão da ignorância. Uma delas, de aparente trivialidade, consiste em saber se a sombra é intensificada quando dois corpos se sobrepõem, o que as personagens experimentam em cenas de jogo e densidade poética. Assim como ocorre no diálogo às margens do rio, as metáforas que associam luz e sombra ao saber e à ignorância, presentes em textos multi milenares como o Rgveda e a República de Platão, também são acolhidas em cada sol poente que atravessa a fachada frontal do Veras. Em ressonância com o movimento elíptico do planeta, as palavras e os ideogramas deitados no chão, em Claro-escuro, tingem o espaço com variações de cores que, para além de evocar vidas plurais, são rememorações da experiência humana marcada pela indissociável fusão de experiências claras e escuras.