EXPOSIÇÃO COLETIVA

PONTOS DE VIDA

Adriana Varejão, Boris Kossoy, Carlos Asp, Cris Bierrenbach, Daniel Senise, Eli Heil, Elke Hering, Farnese de Andrade, Fernando Lindote, Gabriela Machado, Georg Baselitz, Iberê Camargo, James Ensor, Julia Amaral, Laura Vinci, Louis Choris, Louise Bourgeois, Luiz Henrique Schwanke, Martinho de Haro, Oswaldo Goeldi, Paulo Gaiad, R.A. Rodrigo Cunha, Rubens Oestroem, Sergio Adriano H, Tatiana Blass, Willian Santos e Yara Guasque.

ÉTICA DA COEXISTÊNCIA 

 

Não é incomum idiomas nos quais as palavras gregas ethos e poiesis — ética e poética — mesclam-se, gerando uma espécie de mestiçagem entre arte e vida. No contexto da prática artística surgida há pouco mais de um século, o encontro desses dois campos provocaram a amplitude de vozes que se juntaram em movimentos que lutam por práticas regenerativas da terra, coexistência global e reparações históricas. Ter consciência de que não há como preservar práticas imaginativas e leituras sensíveis de mundos enquanto a condição pública e não discriminatória da arte seguir sendo negligenciada equivale a pensar sobre a capacidade sensitiva de outras formas de vida que não dependem de estruturas cerebrais para manifestarem memória, inteligência e senso de comunidade. Portanto, ao tomar emprestado o conceito Pontos de vida — proposto pelo filósofo italiano Emanuele Coccia — para qualificar a exposição coletiva realizada com um conjunto da Coleção Catarina, a montagem compreende arquipélagos de obras que encaram essa fusão linguística e acolhe múltiplas formas de vida. Tangíveis ou fantasmagóricas, gigantes ou microscópicas, o terreno comum sobre o qual um grupo de artistas elabora suas manifestações po/éticas, entende os pontos de vida como “ética da coexistência”, outro conceito de Coccia que articula modos de sobrevivência e perpetuação da biodiversidade que nos define. 

 

A exposição leva em conta o corpo expressivo de obras de três artistas, presentes há décadas na coleção. Trata-se de Eli Heil (1929-2017), Paulo Gaiad (1953-2016) e Fernando Lindote (1960). Com a presença de cada corpo de obras, enraizamentos e conexões acentuam a condição atmosférica da vida. Assim, Céu, terra e mar (1993), de Eli Heil, encontra-se com uma forma uterina para polinizadores, de Willian Santos (Coleóptera, 2023). De igual modo, as versões da Divina Comédia, de Paulo Gaiad Intolerância – Sarah (2002) e o exército de rostos vermelhos (2003) —, narram atrocidades presentes em obras de Farnese de Andrade e Sérgio Adriano H. Responder aos desastres criminosos separados por um espectro de setenta anos, unificando Hiroshima (1945) e Mariana (2015), reforça o fato de que todas as determinações identitárias precisam dar espaço a uma condição vital, qual seja, estar no planeta antecipa toda e qualquer marca distintiva. Independentemente das fronteiras culturais, sociais ou políticas, a experiência de viver é a condição fundamental que unifica o compromisso com reflorestamentos mentais, o que faz com que o Macaco, a Árvore, a Caveira, a Medusa, a Icamiaba, o Rio e o Arjuna, partes do vocabulário visual de Fernando Lindote, estejam implicados em germinar a vida que deriva do extermínio. 

 

O tempo que escorre em ampulhetas de quartos de hora e o voo interrompido na perenidade do bronze, dois grupos de esculturas, realizadas por Laura Vinci e Julia Amaral, participam da mestiçagem de formas e pontos que definem a vida como o acúmulo de experiências poéticas. Que sublimam a perda e a transformam em objeto sensível. Por isso, diante de objetos que acolhem o belo e o mórbido, a loucura e as convenções sociais, a melancolia e as máscaras que nos transformam em personagens, vale refletir sobre o modo como a arte confronta as falsas verdades que fragilizam existências com costumes e hábitos inconsequentes. Com apenas algumas chaves de leitura, o conjunto de obras de Pontos de vida, acuradamente reunido para penetrar nos códigos genéticos do público, funde coleção (expressão narrativa gerada pelo encontro de objetos) e correlação (a capacidade que um grupo de pessoas possui de transformar e influenciar umas às outras). 



Josué Mattos

Diretor-geral do Centro Cultural Veras