EXPOSIÇÃO

NARA GUICHON: REDE FANTASMA

A massa terrestre é bastante inferior ao tamanho dos oceanos, que cobrem pouco mais de 70% da superfície do planeta. Ainda assim, com território inferior a 30%, os humanos, instalados sobre a superfície denominada “terra firme”, são responsáveis pela totalidade da produção de resíduos, detritos e rejeitos que assombram a vida terrestre e marítima. A uma parte desse refugo que vive nas profundezas dos oceanos é dado o nome de rede fantasma.

Nara Guichon faz uso dessas redes, em ações que a acompanham ao longo de pouco mais de quatro décadas. Recentemente devotada à escultura e à instalação, seus últimos anos foram marcados pela produção de entrelaçamentos de matéria que aludem às formas de vida ameaçadas pela intervenção predatória de humanos nos mares. Tendo sido lançados voluntariamente, esquecidos ou desprendidos de embarcações, os corpos fantasmagóricos que vagueiam pelos oceanos representam o extermínio de vidas que atravessam campos sem fronteiras e delimitações.

Com suas esculturas, a artista convoca o participante a tocar as peças, a entrar em contato com essa matéria inerte que vagueia e é capaz de exterminar vidas ao longo de séculos. No mesmo grau em que a experiência gera fascínio, ela busca alguma equivalência com uma fração da angústia com que as vidas marítimas se deparam, surpreendidas por uma assombração que as entrelaça, gerando sufocamento aos seres que precisam retornar à superfície para ganhar fôlego ou, ainda, prendendo seus órgãos de reprodução, evacuação ou nutrição. Sem poder comer, se reproduzir ou evacuar, são dizimados enquanto vão de um lado a outro, com a mesma trivialidade com que nos deslocamos no cotidiano. Talvez por essa razão o toque sugerido pela artista é convite ao espelhamento dessas vidas em nossos corpos. A suposição de algo responsável por nos enredar enquanto atravessamos a faixa de pedestres, ou deixamos um ponto da cidade, de volta à casa, são realidades que simulam a vulnerabilidade de vidas que convivem com a barbárie em forma de fantasma.

Inclusive, a despeito de o nome dos dejetos suscitarem certa exiguidade, as redes fantasma aparecem em grande quantidade em mares de todo o planeta. Anualmente, 570 toneladas de tais assombrações são abandonadas no oceano. Por isso, em Rede Fantasma, a artista faz do espaço expositivo um lugar de imersão oceânica. Embora extraída de um dejeto que influencia em vários aspectos as mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos e o extermínio da biodiversidade marítima, sua obra evoca parte do esplendor da vegetação que se enraíza na inalcançável profundidade oceânica.