O artista Zé Kinceler (1960-2015) concebeu, em 2006, o Sistema Verde Vertical, um conjunto de esculturas para o cultivo de alimentos em estruturas modulares que formam pequenos totens de barro. Intitulada Cultivos em totens, a montagem retoma os princípios do artista e professor em ações que reúnem agricultores familiares e agentes culturais em processos de plantios e trocas de saberes sobre soberania e segurança alimentar, alguns dos pilares do Centro Cultural Veras.
Cultivar foi um verbo que acompanhou Zé Kinceler (1960-2015) em proposições comunitárias com as quais alargou as fronteiras da prática artística na região em que atuou. Em seus escritos, o artista defendeu o “entrelaçamento de saberes” como meio de combater o individualismo exacerbado, a agonia pela sobrevivência, assim como a opressão das sociedades de consumo que promovem a espetacularização da vida. Adepto de processos transdisciplinares, foi responsável por articular sistemas criativos que acolheram ações colaborativas em campos como a agricultura urbana, a ciência e a filosofia. Assim, enquanto descobria proposições que transformaram a classe artística em propositora de diálogos com outros campos do saber, passou a considerar sua prática como a de um “artista-mediador”, tendo como princípio “desencadear a criação de novas conexões e estratégias vinculadas a formas colaborativas de representação em arte (…) de modo que a autoria seja diluída.” A concepção, em 2006, do que definiu como Sistema Verde Vertical é resposta ao seu anseio por “introduzir diferenças capazes de instaurar outras visões e práticas, de modo a sermos mais solidários e predispostos a sair deste estado de isolamento.” Encarar tais declarações quase vinte anos depois de sua concepção – tendo atravessado o período de crise sanitária global que alterou o rumo da história recente do planeta -, renova a importância de cultivar processos coletivos em sistemas verticais que confundem o totem e o sujeito, fazendo com que a pessoa que executa o plantio e a terra na qual as sementes germinam sejam campos cultiváveis pela experiência estendida no tempo. Portanto, toda vez que negou qualquer categoria capaz de definir sua prática, Kinceler buscava enfatizar seu pensamento sistêmico, situado à margem do que definiu como Capital Mundial Integrado, com aparatos “técnico-científico-midiáticos” que engessa relações estrangeiras ao sistema promotor da massificação do sentir.
De fato, quando dizia não ser escultor, ceramista ou adepto do que se convencionou chamar, ao final da década de 1990, de “arte relacional”, o artista reforçava a fragilidade do circuito regional em gestação, de modo que as categorizações não o prendessem em terminologias que acabariam por minimizar a importância de relações vividas em experiências comunitárias. Alheio à pasteurização de práticas que chegam embaladas de grandes centros do capital, visitava quintais para cultivar a horta saber, a partir da qual tecia diálogos com práticas artísticas que abriram rotas nunca antes percorridas, traçadas entre as décadas de 1960 e 1970. Enquanto cultivava salsinha, alface, couve, espinafre, repolho, beterraba, entre outros alimentos, Kinceler defendeu a partilha de desejos estruturados em esculturas verticais, mantidas de pé, feito um corpo em comunhão com os saberes da terra e os processos elaborados coletivamente em estruturas totêmicas.