Areia – Clara Fernandes
24/08 – 02/11
Areia é um amontoado de partículas desgarradas de rochas e minerais. Ela é chão movediço ou a fossilização de fragmentos que podem entrar em erupção pela velocidade de ventos, correntes fluviais e movimentos oceânicos. É a transparência de vidros e aestrutura do concreto. Contém a plasticidade do corte e a volumetria mutante de dunas, sendo um componente fundamental na solidificação de estruturas. No contexto da exposição de Clara Fernandes, a areia contida no piso, no teto e na argamassa utilizada para assentar os tijolos do espaço encontra Matéria (2024), instalação contendo mais de uma centena de garrafas de vidros com paisagens encapsuladas. Nos dois casos, areia é o conteúdo e o continente que constrói espaços, veda estruturas e sedimenta o descarte industrial em embalagens contendo fios soltos que desenham horizontes prensados.
Passagem (2024), instalação composta de papel, algodão e poliéster, considera o fato de qualquer porção de areia conter incontáveis grãos. Acolhe o sujeito que atravessa o infinito contido no singular, já que o título da exposição compreende a capacidade que a matéria possui de se expandir em fragmentos granulosos, aludindo ao infinito contido no espaço finito. O alinhamento do conjunto de pequenos formatos faz menção a essa matéria tramada em quadros de madeira, com os quais a artista registra os movimentos igualmente infinitos, com ciclos de dias e noites que alteram o empilhamento de grãos de areia, vulneráveis a ventanias repentinas. Cada imagem da série também considera
a possibilidade de um punhado de areia corresponder ao encontro de temporalidades geológicas e erosões recentes. Com isso, a contar as décadas em que a artista produz tramas, as obras que integram a exposição igualmente reúnem modos de fazer de diferentes períodos. Há intenções que perduram há décadas, semelhante à anunciada por Tadeu Chiarelli, quem percebeu, em Sem retorno (1995), o modo com que a artista enfatiza a coexistência de natureza e cultura. Algo semelhante ocorre nas obras que integram Areia, a exemplo de procedimentos que marcam sua trajetória dedicada a conviver com a matéria quase indissolúvel de várzeas, estuários, litorais e desertos.
Ao reverenciar a matéria esculpida silenciosamente pelo tempo e movimento, a artista manifesta um microclima preservado em um cântaro circundado pela representação de areia tramada, com a qual ela manifesta a força intercambiada entre os múltiplos elementos naturais. Assim, areia e fogo produzem vidro; água sobre pedra resulta em montanhas de areia. Feito um ventre arenoso, a cuia geradora de linhas soltas evoca a absorção de nutrientes espalhados na ocasião de tempestades de areia. Deste modo, Areia é percebida como uma exposição destinada a contribuir com a regeneração do espaço aberto da arte para que ele siga engendrando diálogos acerca de enraizamentos, sedimentações e vendavais de areia que nutrem solos, mentes e oceanos. Com experimentos gráficos e composições realizadas a partir de dejetos industriais, a artista segue seu próprio caminho, constituído por cultivos lentos e sopros tempestivos que espalham partículas e expandem horizontes.
Josué Mattos