INTERVENÇÃO ARQUITETÔNICA

ATELIÊ ABERTO: O RISCO E O RASGO, A CEGUEIRA E O CHÃO

O risco e o rasgo, a cegueira e o chão 

Clara Rovaris, François Muleka, Lais Krucken e Silvia Carvalho 

09/11/2024 – 22/02/2025

 

O risco e o rasgo, a cegueira e o chão 

Clara Rovaris, François Muleka, Lais Krucken e Silvia Carvalho 

Na primeira temporada de montagens de projetos individuais de uma parte do grupo de artistas que partilha os seus processos em debates abertos, Clara Rovaris, François Muleka, Lais Krucken e Silvia Carvalho fornecem elementos para as múltiplas reflexões sobre o tempo presente. A diversidade cromática do chão, pensada em escala cósmica, como quadrados que evocam sistemas universais; a coleta do inapreensível identificada como vestígios da natureza; as confidências criadas a partir de memórias apagadas; assim como a capacidade de gerar encontros em uma casa-comunidade que amplia a representação do sujeito apagado, são alguns dos múltiplos acessos para tecer relações entre a prática de cada artista e o público que visita o Veras. 

Na obra de Clara Rovaris, a memória é percebida em sua constante oscilação entre lembrança e esquecimento. A artista parece implicada em reviver o que ocorre com Funes, o Memorioso, personagem de Borges que dá nome ao texto e se vê preso no dilema entre a recordação absoluta e a impossibilidade de viver o presente. Em sua série Pinturas-confidente Rovaris investiga os labirintos em que a memória se constrói. Fragmentos de lembranças emergem sob a forma de lacunas, testemunhos e confissões. A escrita, nas obras da jovem artista, frequentemente interditada por sobreposições de tintas e rasuras, oscila entre o inteligível e a imaginação, exigindo tempo e recuo para desvendar enigmas perdidos na memória. 

Extratos de Solo, de Sílvia Carvalho, é um conjunto de pinturas de pequeno formato, composta por quadrados de madeira pintados com pigmentos minerais. A policromia é resultante de um longo processo de contato e coleta de terras plurais, coletadas em estado bruto e convertidas em amostras suaves de pigmentos. A pintura aparece como uma consequência desse processo, que se inicia em caminhadas e aproximações de territórios, unidos pela diversidade e pulsação de terras. Com isso, extrair o solo e fazer de sua vasta diversidade uma constelação é como a artista constrói seu trabalho, que também considera o ensino e a catalogação de minerais como procedimento para a elaboração de sua prática. 

A dança das folhas, o assobio noturno e a ondulação das águas são manifestações de uma presença que não se deixa capturar inteiramente pela visão. No entanto, saias esvoaçantes e cabelos em movimento atestam sua passagem. Interessada por essa presença ausente, Lais Krucken desenvolve a prática de coletar os pequenos rastros deixados pelo vento. Desse modo, o processo elaborado pela artista se torna uma ação contínua e se sobrepõe aos pequenos elementos coletados, em uma busca pela captura de fenômenos cuja essência é anunciar a potência e poesia do invisível. Coletas de vento, neste contexto, propõe uma modalidade perceptiva que altera o modo como lidamos com o imperceptível.   

François Muleka faz confluir seus processos elaborados em campos como as artes visuais, a música e a performance. Em Vida que Cegue, o artista cria o que ele denomina estações de passagem, nas quais o público é convidado a se instalar para pequenos deslocamentos de ideias e relações com a imagem e o saber. A disposição dos elementos heterogêneos em um emaranhado de relações provoca a interação entre os objetos típicos do ambiente doméstico. Juntos, configuram altares, conforme define o artista, renovados por múltiplas linguagens que pensam a cegueira coletiva e os modos de restituir a visão do caminho de dentro.

Josué Mattos e Rainara Sofia